UMA KNUA DADOLIN DOKUMENTUS OPINIAUN SEARCH Online KANOIK LIAFUAN IMPRENSA

      PETISIONER TIMTIM

"Hau nia dignidadi la a'as liu dignidadi Nasaun nian".
RENETIL -
Nova Lideranca Mistica
.

Asaun 12 Junnu 1998: Okupasaun Edifisiu DEPLU iha Jakarta - Husi hau nia memoria rasik
LIVRO
RENETIL
LOMPAT
PAGAR
OPERASAUN
TREPE




INTERFET: A HABILIDADE DIPLOMÁTICA DE ANTÓNIO GUTERRES E JORGE SAMPAIO

 

INTERFET: A HABILIDADE DIPLOMÁTICA DE ANTÓNIO GUTERRES E JORGE SAMPAIO

 

Por: Carlos da Silva L. F. R. Saky

 

A INTERFET (International Force East Timor), Força Internacional para Timor-Leste, tinha como objetivo pôr fim à violência que se seguiu ao anúncio do resultado da consulta popular. Foram as habilidades e astúcias diplomáticas de António Guterres e Jorge Sampaio que permitiram o envio dessa força para Timor-Leste.

 

Este ano, a 30 de agosto de 2024, Timor-Leste celebrará o 25.º aniversário da consulta popular organizado pelas Nações Unidas. António Guterres, antigo Primeiro-Ministro de Portugal e atual Secretário-Geral da ONU, e Durão Barroso, ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros, estarão presentes nas comemorações, ao lado de outras figuras destacadas de Portugal e do mundo.

 

Este artigo destaca três figuras portuguesas essenciais no contexto de Timor-Leste: Durão Barroso, António Guterres e Jorge Sampaio, com especial ênfase nos dois últimos, dado o seu papel como Primeiro-Ministro e Presidente da República em 1999. Ambos exerceram uma pressão diplomática astuta sobre o Presidente norte-americano Bill Clinton, com o objetivo de pôr fim à violência em Timor-Leste e acabar definitivamente com a ocupação militar indonésia no território.

O problema de Timor-Leste, entre 1975 e 1990, foi extremamente complexo, envolvendo grandes potências devido ao impacto da Guerra Fria. Durão Barroso explicou a complexidade desta questão numa reunião privada entre ele, o saudoso La’Sama e eu, na sede do PSD em Lisboa. Em 2000, após a formação da Assembleia Constituinte, La’Sama, então Vice-Ministro dos Negócios Estrangeiros, visitou Portugal, e eu acompanhei-o numa reunião informal com Durão Barroso, que na altura era Presidente do PSD.

Como Ministro dos Negócios Estrangeiros, Durão Barroso enfrentou intensas pressões não apenas dos aliados da Indonésia, mas também dos membros da União Europeia com fortes relações econômicas e comerciais com a Indonésia. No entanto, Barroso resistiu e não cedeu às pressões.

Durante essa reunião, Barroso descreveu as dificuldades em defender a causa de Timor-Leste, que estava quase esquecida pela comunidade internacional, e as intensas pressões que Portugal enfrentava. Para ilustrar a situação dramática, ele foi até à porta, abriu-a e manteve-a com o pé esquerdo para que não se fechasse completamente, apesar da pressão intensa de vários países, incluindo os parceiros económicos da Indonésia na Europa Ocidental. A União Europeia, assim como os Estados Unidos e a Austrália, nunca apoiaram os interesses de Portugal em relação a Timor-Leste. Países como Reino Unido, Alemanha, França, Holanda e Estados Unidos vendiam armas à Indonésia e pressionaram Portugal a abandonar e esquecer Timor. Apesar da intensa pressão e dor, Portugal teve de resistir para evitar que a questão de Timor-Leste caísse no esquecimento. Como Potência Administrante, Portugal não queria trair Timor-Leste da mesma forma que a Espanha traiu o povo do Saara Ocidental. O país manteve-se firme na sua posição, com o apoio das ex-colónias portuguesas em África, enquanto aguardava uma mudança na direção do vento que beneficiasse a luta pela libertação e independência de Timor-Leste.

Essa mudança começou a ser sentida na década de 90, especialmente quando António Guterres foi eleito Primeiro-Ministro de Portugal em 1995. Conheci António Guterres pela primeira vez numa conferência de imprensa após a nossa chegada a Portugal, depois de termos ocupado a embaixada dos Estados Unidos em Jacarta, a 12 de novembro de 1994. Esta foi a primeira conferência de imprensa da RENETIL em Portugal, com a presença de António Guterres, que na altura era líder da oposição. Guterres, então Secretário-Geral do Partido Socialista (PS), foi convidado por Ramos-Horta para a conferência de imprensa conjunta (RENETIL, Ramos-Horta e António Guterres), que teve lugar no final de novembro de 1994, na sede da Associação 12 de Novembro, que viria a tornar-se também a sede da Direção Geral da RENETIL no Exterior. O espaço foi oferecido por Rui Marques, o principal organizador da Lusitânia Expresso, o navio que levava jovens e estudantes com a missão de paz para Timor, percorreu o Atlântico e chegou ao mar de Timor, conseguindo uma cobertura mediática em torno da questão de Timor.

Na conferência de imprensa, Guterres reafirmou o compromisso do Partido Socialista em continuar a lutar pela resolução do problema de Timor-Leste, de acordo com a vontade dos timorenses.

Um ano depois, em 1995, o PS venceu as eleições legislativas em Portugal, e António Guterres foi eleito Primeiro-Ministro. Como Responsável Principal da RENETIL no Exterior, enviei-lhe uma carta de felicitações pela vitória do PS e pela sua eleição como Primeiro-Ministro. Na carta, também o lembrei de não esquecer a luta do povo de Timor-Leste pela autodeterminação e independência. Não esperava resposta, dado que enviámos dezenas de cartas a vários chefes de governo e de Estado, mas nunca obtivemos nenhuma resposta. Desta vez, houve uma resposta, o que não só foi motivo de orgulho, mas também uma esperança de que a nossa luta pela independência receberia total apoio do governo português. Na resposta, António Guterres escreveu:

“Exmo. Senhor

CARLOS DA SILVA LOPES

Responsável Principal da

RENETIL no Exterior

Rua do Comércio, 8-1º

1100 LISBOA

 

Lisboa, 10 de Outubro de 1995

 

Caro amigo,

 

Venho por este meio agradecer a V.Exa. a amável mensagem de felicitações que me endereçou, em nome dos dirigentes, militantes e simpatizantes da RENETIL.

 

Quero aproveitar a ocasião para lhe reiterar o firme propósito do meu Governo de exercer uma contínua influência a nível internacional no sentido do respeito pelas Resoluções das Nações Unidas no que concerne à questão de Timor-Leste, e ao inalienável direito à autodeterminação do povo timorense.


Espero poder contar com a colaboração de V. Exa. no sentido de, em diálogo com todos os legítimos representantes do povo de Timor-Leste, trabalharmos em conjunto para atingir uma solução justa e legítima que melhor sirva os interesses e as aspirações do povo de Timor.


Com os melhores cumprimentos,


António Guterres.”

 

António Guterres é um líder inteligente e astuto, corajoso, um orador excecional e humanista. É um homem de ação, combatente e de diálogo, um verdadeiro democrata. Desde a sua eleição como Primeiro-Ministro, António Guterres demonstrou o seu compromisso com a questão de Timor-Leste não apenas através de palavras, mas também com ações concretas. Em 1996, participou na primeira Cimeira Ásia-Europa (ASEM) em Banguecoque, Tailândia. Naquela altura, ele ainda era relativamente novo no mundo da diplomacia, e muitos duvidavam da sua capacidade e coragem. O ditador Soeharto mantinha grande poder e era amplamente respeitado pelos líderes mundiais, uma vez que a Indonésia era uma das grandes potências económicas globais e um dos países mais influentes da ASEAN. Soeharto cultivava boas relações com os países ocidentais, não apenas por interesses económicos e políticos, mas também devido ao seu posicionamento anti-comunista, especialmente num contexto em que países do Indochina, como Laos, Camboja e Vietname, haviam caído sob o domínio comunista. Se a Indonésia sucumbisse, toda a ASEAN poderia estar sob influência comunista.

Os Estados Unidos e os países ocidentais não precisavam enviar tropas para a Indonésia como fizeram no Vietname para combater o comunismo. Os apoios morais, políticos e económicos, juntamente com a provisão de equipamento militar, foram suficientes para Soeharto conter a influência comunista na Indonésia. Devido ao apoio ocidental, Soeharto não só depôs Soekarno, pró-comunista, como também perpetrou massacres contra meio milhão de seus cidadãos, apoiantes do Partido Comunista da Indonésia. Milhares foram presos e alguns foram deportados para a ilha de Buru, em Papua. Este é o maior débito que os países ocidentais têm com Soeharto e com a Indonésia.

Na véspera da Cimeira de ASEM, os jornalistas tentaram testar a coragem de António Guterres e perguntaram-lhe: “Senhor Primeiro-Ministro, vai ou não levantar a questão de Timor-Leste? Tem medo de estragar a Cimeira, é isso?” (Cf. O Mundo Não Tem de Ser Assim: Biografia de António Guterres, Latoeiro & Domingues, 2021, p. 230)

Inicialmente, relutou em responder, mas, pressionado, acabou por se pronunciar: “Não vou calar a minha voz.” (Cf. O Mundo Não Tem de Ser Assim: Biografia de António Guterres, Latoeiro & Domingues, 2021, p. 233). Esta declaração teve ressonância em Jacarta, e a Indonésia respondeu imediatamente chamando o embaixador da União Europeia em Jacarta e ameaçando abandonar a Cimeira se Portugal levantasse a questão de Timor-Leste. John Major, o Primeiro Ministro britânico, inclusive, sugeriu que a discussão fosse interrompida se surgissem questões controversas, incluindo a questão de Timor-Leste. A pressão também foi exercida pelo anfitrião, o Primeiro-Ministro da Tailândia.

 

António Guterres respondeu diplomaticamente às partes que proibiam ou limitavam a discussão de questões controversas na Cimeira ASEM: “Bom, nós somos representantes das mais variadas civilizações do mundo, penso que entre nós qualquer assunto se pode levantar, sem nenhum problema, de uma forma diplomática e construtiva...” (Cf. O Mundo Não Tem de Ser Assim: Biografia de António Guterres, Latoeiro & Domingues, 2021, p. 236)

 

O Primeiro-Ministro António Guterres demonstrou grande inteligência e astúcia. Ele não criou desconforto entre os membros da Ásia e da Europa durante a Cimeira. Mesmo sozinho, jogou política de forma hábil, astuta e elegante, conseguindo colocar Soeharto, que era extremamente poderoso, numa posição de subordinação à sua vontade. No final da reunião informal, quando todos os chefes de Estado e de governo estavam de pé e prontos para deixar a sala, Guterres viu o ditador Soeharto à sua frente. Aproximou-se de Soeharto e disse:

“Sente-se aí que eu preciso falar consigo – e ele sentou-se. Eu sentei-me ao lado dele e disse-lhe: Olhe, as nossas relações têm andado encalhadas e eu tenho uma proposta para lhe fazer; nós aceitamos a abertura de secções de interesse e vocês libertem os dirigentes timorenses que estão presos.” Cf. O Mundo Não Tem de Ser Assim: Biografia de António Guterres, Latoeiro & Domingues, 2021, p. 236)

A ação política e diplomática de António Guterres não parou por aí. Ele pretendia pôr fim rapidamente ao longo sofrimento do povo timorense sob a ocupação indonésia. Apesar das pressões de vários lados, na Cimeira ASEM, voltou à carga. Aproveitando a oportunidade para elogiar o espírito de Banguecoque por ter decidido não abordar questões bilaterais, também levantou a questão de Timor-Leste, que considerava não ser apenas um problema bilateral entre a Indonésia e Portugal, mas uma questão no âmbito das Nações Unidas:

“Gostaria de elogiar o espírito de Banguecoque, por esta decisão que foi tomada de não se levantarem aqui assuntos bilaterais… um assunto bilateral que temos com a China, e que está a correr muito bem, é Macau, por exemplo… a outra questão que temos, e que não é bilateral, é uma questão do âmbito das Nações Unidas, é sobre Timor-Leste, mas quero aqui dizer que ontem me encontrei com o presidente Suharto, fiz uma proposta e penso que isto será um novo começo, um novo diálogo.” (Cf. O Mundo Não Tem de Ser Assim: Biografia de António Guterres, Latoeiro & Domingues, 2021, p. 237).

António Guterres conseguiu apresentar a questão de Timor-Leste de forma muito eficaz através de uma diplomacia astuta. Ao abordar claramente a questão timorense, a sua intervenção não foi interrompida por nenhum dos participantes e, pelo contrário, recebeu ampla cobertura mediática. Esta foi a primeira vitória de António Guterres.

Alguns anos depois, apesar de nem todos os líderes timorenses terem sido libertados, com o consentimento da resistência timorense, Portugal conseguiu avançar e assinar um acordo com a Indonésia para estabelecer secções de interesse em Jacarta e Lisboa, com o objetivo de acelerar o processo de resolução do problema de Timor-Leste.

 

O tempo passou rapidamente e, finalmente, chegou o momento tão esperado pelos timorenses: o referendo. Após a assinatura de vários acordos, foi decidido que o referendo se realizaria a 30 de agosto de 1999.

Inicialmente, Portugal estava relutante e hesitante em aceitar a responsabilidade pela segurança do referendo por parte da Indonésia, temendo que a manipulação, o terror e a intimidação pudessem impedir que o povo se sentisse livre para votar, beneficiando assim a Indonésia. No entanto, os líderes da resistência, que conheciam bem o seu povo, convenceram Portugal de que, apesar das pressões e ameaças, o povo não escolheria a integração, pois os 24 anos de ocupação haviam causado sofrimentos extraordinários aos timorenses. Adiar o referendo poderia significar perder a oportunidade para sempre. Portugal seguiu os conselhos da resistência e concordou em aceitar a responsabilidade pela segurança do referendo por parte da Indonésia.

No dia 30 de agosto, apesar de várias ameaças, terror e intimidações, os timorenses dirigiram-se em massa às urnas. A 4 de setembro, as Nações Unidas anunciaram o resultado do referendo, que mostrou uma maioria absoluta dos timorenses a rejeitar a proposta de autonomia especial sob a Indonésia, o que significava que Timor-Leste deveria separar-se da Indonésia. No entanto, as milícias pró-integração, apoiadas pelas forças de segurança indonésias, que deveriam garantir a segurança, não ficaram satisfeitas com o resultado e realizaram uma devastação em todo Timor-Leste. Muitas vidas foram ceifadas e centenas de milhares de pessoas refugiaram-se nas montanhas e florestas, enquanto outros foram forçados a refugiar-se na Indonésia, criando uma situação de caos total e incontrolável.

Neste caos total, o povo de Timor-Leste viveu em ansiedade, desespero e sofrimento extremo. António Guterres e Jorge Sampaio, líderes portugueses, também sentiram profundamente esse sofrimento e procuraram urgentemente uma solução para evitar as atrocidades cometidas pelas milícias e forças indonésias, que haviam matado muitos civis inocentes. Guterres considerou a demissão se a violência não cessasse, pois via a consulta popular como uma co-responsabilidade portuguesa. Ele acreditava que a continuidade da violência minaria a confiança de Portugal no seu governo, dado o compromisso com a realização e supervisão do referendo.

Simultaneamente, o povo português saiu às ruas para expressar a sua solidariedade com os timorenses. Milhares de pessoas reuniram-se em Lisboa, formando um cordão humano de 10 quilómetros que ligava a sede da ONU às embaixadas dos países membros permanentes do Conselho de Segurança, todos vestidos de branco. Das janelas, pendiam panos brancos como símbolo de um apelo pela paz. Em todo o país, Portugal parou por três minutos para um minuto de silêncio em homenagem ao povo timorense, que vivia um sofrimento extremo, com muitos já brutalmente assassinados no que ficou conhecido como Setembro Negro. Centenas de milhares de portugueses deslocaram-se a Madrid para protestar em frente à embaixada indonésia, exigindo o fim da violência e dos massacres. Estes momentos excepcionais evidenciaram a profunda solidariedade do povo português para com Timor-Leste.

O Presidente Jorge Sampaio e o Primeiro-Ministro António Guterres contactaram repetidamente o Presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, o Primeiro-Ministro britânico, Tony Blair, e outros líderes políticos internacionais, pressionando-os a reconhecer a necessidade urgente de uma intervenção das forças de paz em Timor-Leste para proteger os civis inocentes. Ambos mobilizaram todos os recursos disponíveis, a nível nacional e internacional, para apoiar o povo timorense. Quando os Estados Unidos hesitaram em apoiar uma força internacional para Timor, António Guterres e Jorge Sampaio decidiram preparar um batalhão de tropas portuguesas para intervir. A fragata Vasco da Gama partiu da sua base em Portugal rumo a Timor-Leste. No entanto, pouco depois, o Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, apelou a Portugal para agir com cautela e evitar o envio de tropas, alertando que a presença de duas forças poderia complicar os esforços de paz. Como resultado, o navio teve de regressar à sua base, possivelmente como parte de uma estratégia diplomática de Portugal para pressionar os Estados Unidos e os seus aliados ocidentais.

A frustração, a ansiedade e a tensão envolveram António Guterres após várias tentativas infrutíferas de contactar o Presidente Bill Clinton para obter apoio. A sua deceção intensificou-se quando o Secretário de Defesa dos Estados Unidos, William Cohen, manifestou publicamente apoio à posição da Indonésia. Esta situação agravou-se ainda mais com a resposta do Conselheiro de Segurança Nacional do Presidente Bill Clinton, que desconsiderou o apelo de Portugal ao afirmar: "Por termos bombardeado o Kosovo não significa que devamos bombardear Dili." (Cf. O Mundo Não Tem de Ser Assim: Biografia de António Guterres, Latoeiro & Domingues, 2021, p. 250)

António Guterres sentiu-se profundamente desapontado e insatisfeito com essas declarações. Em resposta, convocou o embaixador dos Estados Unidos em Lisboa para exigir uma explicação. A posição ambígua dos Estados Unidos deixou Guterres ainda mais furioso e preocupado, especialmente devido ao sofrimento extremo do povo timorense. Para pressionar a administração americana a apoiar Timor-Leste, ele solicitou várias vezes a ajuda de seu grande amigo, Tony Blair, o primeiro-ministro britânico, que desde o início da crise esteve ao lado de Portugal.

O Primeiro-Ministro português intensificou a pressão sobre os Estados Unidos. Numa conversa telefónica tensa e dramática, António Guterres dirigiu-se a Bill Clinton com palavras firmes:

“Olha, tu tens de ter consciência de que vocês não estão a escolher entre a Indonésia e Timor, estão a escolher entre Indonésia e Portugal, que é um parceiro da NATO. Independentemente da minha vontade, não há qualquer hipótese de Portugal manter tropas na Bósnia e no Kosovo, a proteger os Bósnios e os Kosovares, e na situação internacional não proteger os Timorenses. Quer dizer, isto é uma coisa impossível e não depende de mim. Isto vai dar um massacre horrível… não penses que é por má vontade da minha parte, eu não posso fazer outra coisa, o País todo está aqui… estamos na rua.” (Cf. O Mundo Não Tem de Ser Assim: Biografia de António Guterres, Latoeiro & Domingues, 2021, p. 251-252)

Anteriormente, numa conversa informal, o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Jaime Gama, havia deixado claro a Madeleine Albright, Secretária de Estado dos EUA, que Portugal consideraria a possibilidade de sair da NATO se os Estados Unidos não demonstrassem apoio aos seus aliados na Aliança Atlântica. (Cf. O Mundo Não Tem de Ser Assim: Biografia de António Guterres, Latoeiro & Domingues, 2021, p. 249)

Se Portugal saísse da NATO, os Estados Unidos e outros países europeus enfrentariam um problema sério, pois a base aérea da NATO em Lajes, nos Açores, tem uma localização estratégica desde a Segunda Guerra Mundial. Esta base é crucial para as operações da NATO, facilitando a intervenção militar em diversas regiões de conflito na Europa, no Oriente Médio e na Ásia. Além disso, António Guterres também recordou ao Presidente Bill Clinton as manifestações em Lisboa, onde começaram a surgir sentimentos anti-americanos em Portugal devido à inação dos Estados Unidos face ao massacre em Timor-Leste.

Como resultado da pressão exercida por António Guterres e Jorge Sampaio, bem como dos esforços para evitar a retirada de Portugal de Kosovo, Bósnia e da NATO, Bill Clinton, ao chegar a Auckland durante uma viagem à Nova Zelândia, anunciou que os Estados Unidos concordavam com a criação de uma Força de Paz da ONU para Timor-Leste. Ele também pressionou a Indonésia a aceitar as tropas da ONU. Com a mudança de posição dos Estados Unidos, foi criada a INTERFET liderada por Peter Cosgrove, que desembarcou em Dili no dia 20 de Setembro de 1999. Com a intervenção da INTERFET em Timor-Leste, a Indonésia retirou suas tropas da região, pondo fim à sua ocupação militar em Timor-Leste.

Os países cujas forças constituíam a INTERFET eram: Austrália (5.500), Nova Zelândia (1.200), Tailândia (1.600), Bangladesh, Brasil, Canadá, Dinamarca, Egito, Fiji, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Jordânia, Quénia, Malásia, Noruega, Filipinas, Portugal, Singapura, Coreia do Sul, Reino Unido e Estados Unidos.

Se Jorge Sampaio ainda estivesse vivo, provavelmente teria acompanhado António Guterres para comemorar o 25º aniversário do referendo de Timor-Leste. Sampaio sempre apoiou Timor, primeiro como presidente da Câmara Municipal de Lisboa e depois como Presidente de Portugal, demonstrando um firme compromisso com a causa timorense. Em 1995, quando se candidatou pela primeira vez à Presidência de Portugal, convidou-me para o seu escritório de campanha no dia 7 de dezembro, uma data com significado político, pois marcava o 20º aniversário da invasão militar indonésia a Timor-Leste. Durante a reunião, informei-o sobre uma ação conjunta que jovens e estudantes timorenses e indonésios estavam prestes a realizar nesse mesmo dia nas embaixadas da Holanda e da Rússia, para lembrar ao mundo as consequências da invasão, que já vitimou mais de 200.000 timorenses. Após discutirmos a situação, dirigimo-nos para a sala de conferências.

Os jornalistas fizeram perguntas sobre a candidatura de Jorge Sampaio e sobre Timor-Leste. Uma coisa que me impressionou muito em Jorge Sampaio foi quando ele respondeu às perguntas dos jornalistas sobre Timor-Leste, dizendo:

"Quero vencer as próximas eleições presidenciais e trabalharei arduamente para que o povo de Timor possa alcançar a sua liberdade e independência o mais rapidamente possível. Quero visitar Timor-Leste como Presidente de Portugal, num Timor-Leste já independente." (Saky, RENETIL iha Luta Libertasaun Timor-Lorosa’e: Antes Sem Título Do Que Sem Pátria!”, 2013, p. 437).

Jorge Sampaio era uma pessoa séria, humilde, sincera e generosa, assim como António Guterres. Ele cumpriu a sua promessa. Em 2001, após a independência de Timor-Leste da Indonésia, Sampaio visitou Timor-Leste como Presidente de Portugal durante o seu segundo mandato. Antes de nos despedirmos, entregou-me um livro da sua autoria intitulado "Um Olhar Sobre Portugal". No livro, Jorge Sampaio escreveu:

"Para Carlos Silva Lopes e seus colegas de Timor-Leste. Um enorme respeito pela sua luta e determinação e também com votos para um futuro autodeterminado para a sua Pátria. Com grande amizade de Jorge Sampaio. (7 Dezº 95)." (Saky, RENETIL iha Luta Libertasaun Timor-Lorosa’e: Antes Sem Título Do Que Sem Pátria!”, 2013, p. 437

António Guterres, Jorge Sampaio, Mário Soares, Cavaco Silva, João de Deus Pinheiro, Durão Barroso, Jaime Gama, Quartim Santos, Ana Gomes, Fernando Neves, António Monteiro, Barbedo Magalhães, Luísa Teotónio Pereira, Rui Marques e muitos portugueses que não posso citar individualmente neste artigo, bem como todo o povo português em geral, desempenharam um papel e deram uma contribuição extremamente significativa durante os momentos difíceis da luta pela independência de Timor-Leste. O povo de Timor-Leste deve sentir-se orgulhoso deles, pois todos são nossos verdadeiros irmãos. Para eles, só temos uma palavra a dizer: OBRIGADO.

 

No comments:

Post a Comment


123456789
1. Membru RENETIL Ho Matan Ben Simu Matebian Lasama 2. Primeiru-Ministru Louva Livru RENETIL Publika kona-ba Kontribuisaun Istóriku ba Ukun An 3. Sekjer RENETIL ho Hakerek nain Carlos Saky entrega livru ba PR Taur MR 4. STL - Livru RENETIL iha Prosesu Libertasaun Timor-Lorosae 5. Lansamentu Livru Antes Sem Titulo do Que Sem Patria 6. Sasin no envolvimentu Dr. Rui de Araujo alias Agil nudar militante RENETIL 7. RENETIL - Nova Lideranca Mistica 8. Homenagem a Fernando Lasama de Araújo 9. PN Diskuti Malu Tamba Livru RENETIL